terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Fruto da Traição

Como são simples as complicações. As angústias ridículas que nos consomem. O ser humano tem o dom de sofrer em silêncio. O que um abraço acalmaria ou uma palavra consertaria é demais para nós, meros homens, meras mulheres. Byronistas ao som de um tango. Nós botamos tudo a perder quando nos rendemos ao medo. Medo de falar, de olhar, de sentir. Ter medo é uma defesa que nos deixa indefesos.


Terça-feira

Foge daqui, seu inútil. Foge. Não te pertence mais. Eles te esqueceram. E se não, por acaso, foge mesmo assim. Porque querem e querem esquecer, mesmo sem poder. Desvirgina seus olhos com a luz, quebra os seus ossos pesados, liberta seu ser aprisionado. Permite-te ser o que é, saiba o que é agora e o que é depois. Seja.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Sinfonia

Sonhos comuns, tão lindos, tão abandonados. Estranhos assim, maltratados. Corroem seu próprio corpo de luz, amados. Bons, nessa rua jogados. Calados, bizarros, comprados. Vendidos, temidos, de fato esquecidos. Me dê todo o mal, que eu faço dele o sal das águas. Me dê todo o bem, que desabo em mágoas. Agora, me dê todos os sonhos. Eu os canto.

Ser

Fome. Sinto fome de tudo, como se em meu corpo tudo faltasse. Preciso consumir o mundo. Esfomeado caricato. Preciso consumir o mundo e seus problemas. Tenho fome de dor, de adrenalina, de sorrisos, sede, fome de fome. Então, saio pela porta e observo meu imenso alimento queimando, pronto para ser consumido. Um segundo a mais e ele vira pó. Absorvo-lhe agora, em uma dentada apenas. Eu sou o mundo. Um dia morrerei. Sinto enchentes tomarem meu ser. O mundo é meu vírus. Me livra da ignorância. Depois de abocanhá-lo, não há volta. Sou o mundo agora e nada mais.

domingo, 26 de setembro de 2010

Quarta-feira

Graças a Deus o tempo corre. Porque se pudesse pará-lo, nada faria.

Patricio, o bode.

Era uma vez, um bode muito muito idoso chamado Patricio. Ele gostava de comer amoras ao entardecer, mas só as mais azedinhas, porque as doces lembravam-lhe de seus amores. Ah, seus amores! Ele não gostava de se lembrar, ficava cabisbaixo. Sempre que ousava lembrar dos bons momentos, os ruins domavam-lhe o coração e a memória. Então, ele ia para as amoreiras comer amoras azedas com a esperança de que houvesse algo mais amargo que suas dores. Quando sentia sua saliva repuxar sua boca pelo azedo da fruta, seu coração se acalmava.
Mas, em um belo entardecer, ao acaso Patricio olhou para as amoreiras e viu que as amoras haviam acabado. Um desespero repentino tomou seu coração e ele se deu conta de que, não apenas seus amores haviam o deixado, mas as amoras também. Ele queria se lembrar, mas a memória abandonara sua cabeça inóspita de pensamentos.
Observando atentamente as amoreiras, viu que haviam sobrado apenas amoras doces. Aproximou-se lentamente da pequena amoreira e observou seus adocicados frutos. Passou pela sua mente em provar um deles, mas depois de tanto tempo apenas saboreando amoras azedas?
Angustiado, ergueu seu nariz e inspirou aquele delicado aroma. Nunca havia parado para apreciar a beleza de seu olfato. Estava tão extasiado de fome que, quando se deparou novamento com a realidade, lá estava seu paladar a devorar o novíssimo sabor. Paralisado diante de seu inesperado reflexo, ele sentiu, não apenas em sua boca, mas percorrendo seu corpo, algo novo que estranhamente lhe parecia familiar. Se lembrou dos bons amores. Aqueles que com bondade e alegrias já haviam participado de sua vida e se lembrou de como eram suculentamente açucarados.
Um sorriso nasceu em seu rosto, talvez um sorriso que poucos seriam capazes de ver. Ele podia sentir novamente, não apenas lamentar, podia sentir. As amoreiras, já acostumadas com a angustia, misantropia e melancolia de Patricio, o bode, se emocionaram e choraram. Suas lágrimas hidrataram suas raízes e, naqele pomar de amoras azedas, nasceram apenas amoras docinhas daquele dia em diante. Nos dias seguintes, Patricio visitou a amoreira com um enorme sorriso estampado no rosto. Já não pensava nos maus amores. Já não pensava nos bons amores. Pensava, agora, nas amoras, seus novos amores. As amoras, juntamente com Patricio, se renovaram e soltavam estridentes gargalhadas ao ver aquele desengonçado bode chegar aos entardeceres. E foram muitos entardeceres, até que o último Sol de Patricio nasceu no céu.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Caráter

A maioria das pessoas acredita que o caráter de alguém se mede pelas atitudes. Eu discordo, acho que quem pensa isso apenas julga e nunca conhece. Sempre acreditei que atitudes são resultados de estados momentâneos do nosso eu. Posso estar com raiva em um determinado instante e bater em alguém. Isso não signifca que eu seja agressiva. Um dia, posso acordar e dar alguns centavos para um mendigo. Não significa que eu seja caridosa, posso estar apenas de bom humor. Atitudes por si só são vazias e jamais irão traduzir a complexidade de um ser humano. Sempre achei que, para conhecer alguém de verdade, é necessário passar mais de um ano em sua companhia. Porque, só assim esse alguém lhe fornecerá um conjunto suficiente de momentos que te permitam conhecê-lo. Um instante está ligado a uma gigantesca cadeia de momentos diversos. Isso gera conseqüências, motivos, reações e por ai vai. Enfim, porque uma parcela ridiculamente pequena de minha vida que, para mim - a principal envolvida - não fez diferença, faz tanta diferença para tantos outros? Porque eu sou apenas um segundo do que sou?

 
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